quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

35 segundos e 4 milagres

Compartilho o relato emocionante de Daniela Bercovitch, minha amiga, que estava em Porto Príncipe no dia 12 de janeiro de 2010. Ela é diretora adjunta do Viva Rio no Haiti. Postei aqui apenas o começo de seu emocionante relato. Para ler a reportagem na íntegra acesse:

Daniela Berkovitch, coordenadora adjunta do Viva Rio no Haiti, está em Porto Príncipe há dois anos, onde administra os trabalhos na ONG de desenvolvimento social. Na última foto que enviou ao Rio antes do terremoto, ela estava rodeada de mudas prestes a serem plantadas na campanha Bel Air verde, uma campanha que pedia uma Bel Air com mais plantas, e também com o nível de segurança aberto para o livre trânsito. Bel Air caminhava para a paz. O terremoto chegou e atingiu, como disse a imprensa internacional, a todos, os ricos, os pobres, os locais, os visitantes. Entre eles a casa dessa brasileira corajosa que não é marinheira de primeira viagem, trabalhou como auxiliar de uma equipe de antropologia forense na Bósnia, e conhecia o Haiti há anos, tinha ido ao páis como observadora internacional de direitos humanos para a ONU e OEA entre 93 e 96. “Muitos dos meus colegas morreram no terremoto”, disse.
Daniela mora no bairro de classe media Petion Ville com suas duas filhas pequenas, o ex-marido e pai de suas filhas mora no Peru, e seu companheiro estava de viagem em Miami na hora do terremoto. Ela relata a seguir a grande sorte que teve de ter uma casa que resistiu a violência do terremoto, num relato apaixonado, pessoal, presente e direto, sobre aqueles segundos intermináveis que mudaram a história do Haiti.

35 segundos
Nesse dia recebemos os dentistas canadenses em Kay Nou, a casa do Viva Rio em Bel Air, bairro de Porto Príncipe. Estávamos super entusiasmadas Rosiane e eu com as possibilidades: 500 atendimentos a adultos e crianças e uma semana, incluindo cirurgia e reparos estéticos. Eles visitaram Kay Nou e adoraram. Ficamos de ver juntos o financiamento e eles voltariam em junho antes das férias escolares.
Eu estava com uma gripe nojenta, espirrando e tossindo sem parar e resolvi passar e buscar o hemograma que tinha feito na véspera. Na clinica vi que exame indicava infecção, provavelmente sinusite. Esperei duas horas pelo médico e nada. Resolvi deixar o meu telefone e o resultado com a secretaria e subi pra casa para descansar e assinar os mais de 600 recibos de pagamento dos salários das equipes de limpeza que trabalham para o projeto do RVC (Redução violência comunitária) da Minustah.
De subida pelo Canapé Vert em direção a Petion Ville, cruzei com minha amiga de muitos anos, Andrea Loi, chilena que descia em direção oposta, com certeza a caminho da reunião com Annabi, Da Costa e delegação Chinesa com quem tinham uma reunião no edifício Christopher, a sede da ONU que caiu horas depois matando a todos os participantes. Andrea com seus lindos cachos louros, dirigia falando ao telefone e sorrindo. Sei que ela estava muito feliz esse dia.
Em casa assinando e tomando sopa, o médico me liga dizendo que deveria voltar no dia seguinte para fazer uma radiografia dos seios da face e ser medicada. Não deu tempo de assinar mais de 50 recibos e deu a hora de buscar as meninas na escola que saiam às 16:15. Entrando no carro me pediram como sempre que fossemos comer uma pizza e um sorvete no restaurante Fior di Latte. ‘Negativo, mamãe tá muito ruim, e Maite tem que estudar’. Dito e feito chegando em casa, tomei um banho quente, botei pijama, meias (é inverno no Haiti e minha casa fica no alto da montanha), deitei e fiquei conversando com a Maite enquanto Sofia tomava banho assistida pela Kedna, nossa querida e carinhosa babá.

Primeiro milagre:
Um pouco antes das 17:00h senti tudo tremer e não entendi que não era a espoleta da Maite nem a minha cabeça que já girava por causa da congestão. Mas segundos depois Maite tinha saltado da cama e me perguntava mãe o que é isso? Eu já tinha vivido uma experiência muito leve em Lima e soube que era um forte tremor de terra. Nos levantamos, puxei a Maite para debaixo do alizar da porta e gritei pela Sofia. Kedna sai correndo do banheiro com Sofia toda molhada e nua no colo, que chorava desesperadamente gritando: mãe, quem tá fazendo isso? Manda parar! Manda parar!
Pânico. A sensação era de estar surfando em uma balsa durante um maremoto, ou de estar na mão de um gigante que balança a mão. Na verdade é indescritível a sensação. O chão balançava em todos os sentidos, forte... tínhamos que nos segurar no alizar pra não cair. E as meninas gritavam. Kedna para meu desespero estava pálida. E eu dizia, calma, vai parar, vai parar!
Dizem que foram 35 segundos e pareciam intermináveis.
[...continua...]

Para ajudar o Haiti entre em contato com o Viva Rio. Confira a lista de donativos e os postos de coleta no site:
http://www.vivario.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1850&sid=22

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