sábado, 6 de novembro de 2010

Amor Zen, Amor de Principiante

Absolute Beginners
David Bowie

I've nothing much to offer
There's nothing much to take
I'm an absolute beginner
And I'm absolutely sane

As long as we're together
The rest can go to Hell
I absolutely love you
But we're absolute beginners
With eyes completely open
But nervous all the same

If our love song
Could fly over mountains
Could laugh at the ocean
Just like the films

There's no reason
To feel all the hard times
To lay down the hard lines
It's absolutely true

Nothing much could happen
Nothing we can't shake
Oh we're absolute beginners
With nothing much at stake

As long as you're still smiling
There's nothing more I need
I absolutely love you
But we're absolute beginners
But if my love is your love
We're certain to succeed

If our love song
Could fly over mountains
Sail over heartaches
Just like the films

There's no reason
To feel all the hard times
To lay down the hard lines
It's absolutely true


As Três Jóias... versão brasileira!


"Buda é o Cara,
Dharma é a Parada
e Sangha é a Galera!"

(por Alexandre,
praticante de Einin-Ji, Sangha Zen JB)


Imagem:
Gankyil, The Wheel of Joy (fonte: Wikipedia)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Natureza de Buda


Se você pensa que é um Buda,
você está enganado.
Se você pensa que não é um Buda,
você também está enganado.
(Sei In)


Lembro-me claramente de um teishô proferido por Mestre Tokuda no qual ele dizia que quando nos sentamos em zazen somos Buda. Fácil assim? - pensei eu na minha ignorância. Mas, para minha sorte e por sua imensa compaixão, Mestre Tokuda explicou, com aquele estilo direto e bem humorado típico dos mestres zen. Ele disse mais ou menos assim: "Se você imitar um ladrão, você vai fazer o que o ladrão faz, que é roubar. Então naquele momento você é um ladrão, mesmo que diga que não é. Do mesmo modo, quando você senta em zazen está imitando o Buda, fazendo o mesmo que o Buda faz. Então nesse momento você é o Buda!".
Essa fala de Mestre Tokuda me marcou muito, tornou-se uma espécie de koan para mim e toda vez que sento para meditar, ela me volta à mente. Sinto um misto de espanto e esperança nesta afirmação. Nossa cultura nos ensina que somos seres inferiores, pecadores desde o nascimento. É muito difícil para nós acreditar que temos a mesma natureza de todos os Budas e Bodisatvas! Mas os mestres têm esse dom de transmitir os ensinamentos de forma clara para que nossas mentes obscurecidas possam captar alguma coisa, mesmo que num nível muito sutil. Acho que foi isso que se deu comigo. Mesmo desconfiando um pouco daquela frase tão contundente, ela acabou sendo um grande motivador de minha prática.
Há algum tempo começamos a estudar no CEBB* "O Ornamento da Preciosa Liberação" de Gampopa, um grande mestre tibetano da linhagem Karma Kagyu, discípulo de Milarepa. No primeiro capítulo deste ensinamento, Gampopa nos fala sobre a natureza búdica de todos os seres sencientes como sendo o potencial para a iluminação. Ele utiliza como comparação três exemplos, "a prata que se encontra na pepita, o óleo na semente de mostarda, e a manteiga que se encontra no leite. Da pepita de prata podemos extrair prata; da semente de mostarda podemos produzir óleo; e do leite, podemos produzir manteiga. Do mesmo modo, seres sencientes podem se tornar budas".
Quando ouvimos estes ensinamentos, tanto na fala de Mestre Tokuda que é um mestre vivo contemporâneo, quanto na de Gampopa que viveu entre os séculos XI e XII, podemos perceber o caráter atemporal e extremamente pragmático do budismo.
Lama Padma Samtem, outro grande mestre vivo do budismo tibetano, que além de ser nosso contemporâneo é também nosso conterrâneo, demonstra esse caráter pragmático e simples do budismo quando nos fala sobre a perda do reconhecimento de nossa Natureza de Buda e como voltar a enxergá-la: "A doença é o não reconhecimento de nossa natureza. O sintoma é o sofrimento cíclico que toca a todos. O budismo pode ser apresentado como um remédio para tratar a perda do reconhecimento de nossa natureza ilimitada. O reconhecimento da natureza ilimitada produz a superação de todas as prisões e carmas, nada mais é necessário". Simples assim? Pois é, os mestres têm essa compaixão de tornar simples e até óbvio aquilo que temos tanta dificuldade de enxergar, mas que está bem diante do nosso nariz.
Mestre Eihei Dogen, fundador da linhagem Soto Zen no Japão, já no início de sua jornada rumo à liberação se perguntava: " Se todos os seres já nascem com a Natureza de Buda, por que então é preciso praticar?". Este era o seu koan e ele o realizou plenamente atingindo a completa iluminação e deixando instruções de prática que são seguidas até hoje.
Como podemos ver, todos os mestres das diferentes linhagens budistas mesmo nos deixando ensinamentos preciosos que brotam de sua profunda compaixão, nos incitam à prática diligente. É como praticar exercícios físicos. Podemos ler sobre o assunto, escutar palestras e até entender num nível intelectual que eles fazem bem à saúde e podem nos deixar com uma aparência mais harmônica, mas só vamos sentir os resultados se efetivamente praticarmos, realizando o potencial de saúde de nosso corpo.
Os ensinamentos devem ser praticados! Não para nos transformarmos em algo que não somos ou alcançar algum estado extraordinário com poderes sobrenaturais, mas apenas para tornarmos a manifestar plenamente aquilo que sempre fomos desde tempos sem princípio. Assim como o carvão precisa de condições específicas de temperatura e pressão para se manifestar como diamante, precisamos da prática dos ensinamentos para nos manifestarmos como budas. Quando sentamos em meditação e quando praticamos virtudes podemos ir pouco a pouco dissipando as nuvens que encobrem o sol brilhante de nossa verdadeira natureza.
Aquele abraço e boa prática!

*Centro de Estudos Budistas Bodisatva - Orientador: Lama Padma Samten.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Amigo é coisa pra se guardar... Pra sempre...











Canção Da América

(Fernando Brant e Milton Nascimento)

Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir

Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou

Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam "não"
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração

Pois seja o que vier, venha o que vier
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Despedida...


E lá vai ele,
o Bodhisatva da Perfeição Melodiosa,
para a outra margem
da iluminação.
Salve!


Paulo Moura (1932-2010)

Despedida from Eduardo Escorel on Vimeo.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Ver-de-Vida


"Cinza, meu amigo, é toda teoria,
Mas verde é a árvore da vida."

~ F
austo ~
(Goethe, 1749 - 1832)

terça-feira, 29 de junho de 2010

Poema de Dogen Zenji



"Acima de tudo,
Não deseje se tornar um futuro Buda.
Sua única preocupação deveria ser,
Assim como pensamento segue pensamento,
Não se agarrar a nenhum deles."

(Eihei Dogen - 1200-1253 d.c.)

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Vesak

Chamado Vesākha em Pali ou Vaiśākha em Sânscrito, o Vesak é um feriado anual observado tradicionalmente por budistas de várias tradições. Algumas vezes chamado informalmente de "aniversário de Buda", na verdade engloba o nascimento, iluminação e passamento (Parinirvana) do Buda Gautama.

A data do Vesak varia de acordo com os vários calendários lunares usados em diferentes tradições. Nos países Theravada que seguem o calendário budista, cai no dia da lua cheia Uposatha (tipicamente o quinto ou sexto mês lunar). Na China o Vesak é comemorado no oitavo dia do quarto mês do calendário lunar Chinês. A data varia ano a ano no calendário gregoriano ocidental, mas cai geralmente em abril ou maio. Em 2010 a primeira lua cheia de maio é no dia 27, mais precisamente hoje.

Todas as tradições religiosas têm datas importantes, geralmente relativas aos grandes feitos das vidas de seres emblemáticos ligados a estas tradições, grandes mestres, profetas, messias. Algumas datas também têm relação com a cultura onde floresceu determinada tradição, por vezes ligadas aos ciclos da natureza e até mesmo aos ciclos agrícolas, determinantes para a vida das populações à época que estas tradições surgiram. Esses ciclos eram regidos pelas estações do ano e pelo movimento dos astros, mais especificamente Sol e Lua. Talvez isso explique a imprecisão de algumas datas, como por exemplo a da comemoração do Vesak, e sua correlação com as festas populares.

Para mim não importa muito em que data o Príncipe Sidartha nasceu, se iluminou ou morreu. Acredito que para muitos budistas também seja assim. O fato é que houve um ser, nascido na Índia há 2.600 anos, que se libertou completamente de todos os condicionamentos da existência humana, tornando-se Buda, o Desperto, naquela mesma vida, perto dos 33 anos e que, movido por compaixão, passou o resto de seus dias compartilhando com os demais seres a sabedoria que o levou a se libertar do sofrimento e despertar para sua própria natureza iluminada. Através da transmissão de seus ensinamentos, muitos de seus discípulos também se iluminaram e fizeram o voto de preservar o Dharma e transmiti-lo adiante, dando continuidade a uma longa linhagem de seres iluminados.

Com mais de 80 anos, idade bastante avançada para a época, o Buda morreu, atingindo o Parinirvana, mas continua vivo até hoje manifestando-se incessantemente através das Três Jóias, Buda (que corresponde não exclusivamente a Sakyamuni, o Buda histórico de nossa era, mas à Natureza de Buda inerente a todos os fenômenos), Dharma (os ensinamentos deixados pelo Buda Sakyamuni e por todos os seres de sabedoria) e Sangha (a comunidade de praticantes budistas, em sentido estrito e, em sentido mais amplo, todos os seres senscientes, uma vez que todos buscam se libertar do sofrimento e realizar a felicidade).

"Que todos os seres sejam felizes e se libertem do sofrimento.
Que todos os seres encontrem as causas da felicidade e se libertem das causas do sofrimento.
Que todos os seres superem todos os seus carmas e tenham plena lucidez da vacuidade de todos os fenômenos.
Que todos os seres possam beneficiar os demais seres, realizando assim a felicidade genuína." (Metabavana, Meditação do Amor Universal)

Projeto Maitreia


O Projeto Maitreia segue com a Turnê das Relíquias ao redor do mundo. Para saber mais sobre o projeto e os próximos destinos da exposição acesse:

"A paz começa dentro de cada um de nós.
Quando encontrarmos a paz interior
conseguiremos estar em paz com as pessoas ao nosso redor."
(S. S. o Dalai Lama)

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Exposição das Relíquias do Buda e Outros Grandes Mestres do Budismo

Uma coleção com mais de mil relíquias sagradas do Buda Sakiamuni e de outros grandes mestres budistas está sendo exposta por todo o mundo. Estas relíquias serão guardadas de forma definitiva em um relicário no coração da magnífica estátua do Buda Maitreya, que está sendo construída em Kushinagar, na Índia, e que deverá ser finalizada em 2010.
Quando pensamos em relíquias, tendemos a lembrar de algo morto, inanimado e talvez não muito atraente, como vestuários, ossos ou fragmentos de dentes. Estas relíquias são diferentes. Quando os corpos de mestres espirituais são cremados surgem cristais parecidos com pérolas entre suas cinzas. Os tibetanos os denominam “Ringsel”. Estes “Ringsel” são especiais por guardarem a essência das qualidades do mestre espiritual. Sua pureza interna aparece na forma das relíquias. Os verdadeiros mestres espirituais não falam, de modo geral, sobre suas realizações. As relíquias são evidências físicas de que o mestre alcançou qualidades de compaixão e sabedoria antes da morte.
As Relíquias proporcionam uma oportunidade única de conexão espiritual pessoal com seres iluminados. Estes mestres escolheram, deliberadamente, deixar estas Relíquias de forma que nós possamos gerar as causas de nossa própria felicidade. Inúmeras pessoas vêm se conectando diretamente à poderosa energia de amor que emana das Relíquias. Budistas e não-budistas relatam que se sentem inspirados, curados e em paz, simplesmente por estarem na presença das Relíquias. Cada visitante acessa o aspecto divino em si mesmo.
A maior parte das Relíquias são do Buda Sakiamuni, o Buda histórico, que nasceu em 563 A.C. Também há Relíquias do Buda Kasyapa, que precedeu o Buda Sakiamuni. A coleção completa está catalogada no folheto da Exposição das Relíquias, disponibilizado em troca de doações.

21 a 23 de Maio de 2010 - Rio de Janeiro - RJ
Exposição Aberta ao Público das 10h00 às 19h00
Local: Espaço Tom Jobim no Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Rua Jardim Botânico, 1008 – Rio de Janeiro/RJ
Entrada Franca: Todas as doações serão revertidas para o Projeto Maitreya

maiores informações: http://www.shiwalha.org.br/reliquias/

terça-feira, 20 de abril de 2010

"O melhor jeito de ir embora é ficando." (Jiho Seisen)



Not Going Anywhere
(Keren Ann)

This is why I always wonder
I'm a pond full of regrets
I always try to not remember rather than forget

This is why I always whisper
When vagabonds are passing by
I tend to keep myself away from their goodbyes

Tide will rise and fall along the bay
and I'm not going anywhere
I'm not going anywhere
People come and go and walk away
but I'm not going anywhere
I'm not going anywhere

This is why I always whisper
I'm a river with a spell
I like to hear but not to listen,
I like to say but not to tell

This is why I always wonder
There's nothing new under the sun
I won't go anywhere so give my love to everyone

Tide will rise and fall along the bay
and I'm not going anywhere
I'm not going anywhere
People come and go and walk away
but I'm not going anywhere
I'm not going anywhere

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Como treinar seu dragão

Uma fábula singela e bem humorada sobre vikings e dragões e, em última instância, sobre o funcionamento da mente humana. Esta animação muito bem feita em 3D é um precioso ensinamento de como podemos treinar nossa mente com coragem, compaixão e sabedoria e nos tornarmos amigos de nossas emoções perturbadoras, aceitando-as, educando-as e aprendendo com elas. Somente nos tornando um com o dragão que habita em nós poderemos voar livremente pelo céu acima das nuvens que encobrem nossa verdadeira natureza. Divirtam-se!

http://www.howtotrainyourdragonintl.com/intl/br/mainsite/

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Tristeza sem palavras, pelo Bodhisattva do Violão



Tristeza
(Haroldo Lobo / Niltinho)

Tristeza
Por favor vá embora
Minha alma que chora
Está vendo o meu fim

Fez do meu coração a sua moradia
Já é demais o meu penar
Quero voltar àquela vida de alegria
Quero de novo cantar

segunda-feira, 8 de março de 2010

"Quero levar o meu canto amigo a qualquer amigo que precisar..."



Eu Quero Apenas
Roberto Carlos e Erasmo Carlos

Eu quero apenas olhar os campos,
Eu quero apenas cantar meu canto,
Eu só não quero cantar sozinho,
Eu quero um coro de passarinho,
Quero levar o meu canto amigo,
A qualquer amigo que precisar.

Eu quero ter um milhão de amigos
E bem mais forte poder cantar
Eu quero ter um milhão de amigos
E bem mais forte poder cantar

Eu quero apenas um vento forte,
Levar meu barco no rumo norte
E no caminho o que eu pescar
Quero dividir quando lá chegar
Quero levar o meu canto amigo
A qualquer amigo que precisar

Eu quero ter um milhão de amigos
E bem mais forte poder cantar
Eu quero ter um milhão de amigos
E bem mais forte poder cantar

Eu quero crer na paz do futuro,
Eu quero ter um quintal sem muro
Quero meu filho pisando firme,
Cantando alto, sorrindo livre
Quero levar o meu canto amigo
A qualquer amigo que precisar

Eu quero ter um milhão de amigos
E bem mais forte poder cantar
Eu quero ter um milhão de amigos
E bem mais forte poder cantar

Eu quero amor decidindo a vida,
Sentir a força da mão amiga
O meu irmão com sorriso aberto,
Se ele chorar quero estar por perto
Quero levar o meu canto amigo
A qualquer amigo que precisar

Eu quero ter um milhão de amigos
E bem mais forte poder cantar
Eu quero ter um milhão de amigos
E bem mais forte poder cantar

Venha comigo olhar os campos,
Cante comigo também meu canto
Eu só não quero cantar sozinho,
Eu quero um coro de passarinhos
Quero levar o meu canto amigo
A qualquer amigo que precisar

Eu quero ter um milhão de amigos
E bem mais forte poder cantar
Eu quero ter um milhão de amigos
E bem mais forte poder cantar

segunda-feira, 1 de março de 2010

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Além da forma e do vazio

No dojo é possível costurar um kesa, ajudado por outros praticantes. O kesa é o manto feito de retalhos encontrado em todas as tradições budistas.
O uso do kesa e a tradição de sua costura exata remonta às raízes do budismo e têm sido transmitidos por milhares de anos.
No Zen, o kesa é usualmente feito de material simples nas cores preta ou marrom. Entretanto, este colorido exemplar foi feito à mão pelo Mestre Kodo Sawaki (1880-1965) e presenteado a seu discípulo, Mestre Deishimaru. É usado até hoje em ocasiões cerimoniais no Templo Zen La Gendronière.
(tradução adaptada de: http://www.zen-berlin.org/en/dojo/)

O grande manto da libertação,
 verdadeiro campo além da forma e do vazio.
Vestimos agora o ensinamento daquele que é o que é,
para o nosso bem e de todos os seres senscientes. 
(Takkesage, o verso do kesa, recitado no início da cerimônia matinal)

Reza a tradição que o kesa seja feito à mão pelo próprio praticante. É parte do processo de ordenação, um treinamento de concentração e atenção plena onde procuramos manter a mente pura e livre.
Entretanto, quando recebi os preceitos e fiz os votos, junto com outros praticantes, não tinha essa informação. Eu era apenas uma praticante novata, um pouco assustada com a possibilidade de me tornar uma monja zen. Foi tudo muito rápido! Um dia, muito emocionada com um teishô (palestra sobre o Dharma) dado por meu professor, Monge Alcio Eido Soho, disse a ele que um dia gostaria de me tornar monja. Ele, sorridente, me respondeu: "Que bom! Mestre Tokuda chega daqui a um mês, vou falar com ele.". Fiquei totalmente atônita e com um sorriso abobalhado, incapaz de dizer qualquer coisa. Era um misto de felicidade e apreensão. Depois pedi que ele me explicasse no que consistia essa ordenação, quais os meus compromissos, etc. e fiquei tranquila, pois percebi que esse compromisso com Buda, Dharma e Sangha poderia fortalecer minha prática espiritual. Eu estava muito feliz por ter conhecido essa prática, era como se eu tivesse encontrado meu lugar no mundo depois de muito vagar.
Logo em seguida, ele me disse pra pedir a orientação da Monja Telma Jiho Seisen para fazer meu kesa. Tínhamos cerca de um mês para prepará-lo! Ela, sabiamente, preparou uma oficina no Templo Zen Nonin, com os praticantes que iriam ser ordenados, inclusive eu. Nos orientou a cortar e costurar as peças do kesa, à máquina, pois naquele curtíssimo espaço de tempo não conseguiríamos fazê-lo à mão. Nos nossos encontros ela ia ensinando e tirando nossas dúvidas, com muita paciência. Depois levávamos as peças pra terminar em casa. Eu nunca tinha "pilotado" uma máquina de costura! Pedi a máquina de minha mãe emprestada e ela foi nossa "assessora técnica", pois a máquina tinha alguns macetes que só ela entendia.
Fizemos tudo em três semanas e ao final da oficina, surpresa! Mestre Tokuda apareceu em pessoa na minha casa para aprovar o kesa de cada um de nós! Uma semana depois recebemos os preceitos e fizemos nossos votos no mosteiro de Eisho-Ji, em Pirenópolis-GO, numa cerimônia belíssima. Foi o momento mais emocionante de minha vida!
Depois tivemos que fazer também o rakusu (uma espécie de miniatura do kesa que usamos pendurado no pescoço), também às pressas, pois tínhamos que enviá-lo para Mestre Tokuda escrever nossos nomes de Dharma no verso antes de voltar para o Japão. Mais uma vez tivemos a ajuda da Monja Telma e concluímos quase tudo em uma noite. Algumas peças eu fiz à mão, como os envelopes do kesa e do rakusu e, posteriormente o zagu (pano de prostrações).
Foi um processo mágico, no qual tive que lidar com todas as minhas limitações e imperfeições. Ver o meu kesa pronto despertou em mim uma felicidade que eu nunca tinha experimentado. Sou absolutamente grata à Monja Telma e à minha mãe, Maria José, que me ajudaram nesse processo.
Quase um ano depois fiquei sabendo, através de outros praticantes, que o correto seria fazer o manto à mão. Fiquei um pouco preocupada, pois já estava perto da minha ordenação monástica e eu não teria tempo de fazer outro manto, muito menos à mão. Pensei: "Será que o meu manto não vale? Deu tanto trabalho pra fazer e tanta alegria quando ficou pronto!". Conversei com a Monja Telma sobre isso algumas vezes e ela sempre me tranquilizava e dizia que eu devia honrar o meu manto, não importava como ele tinha sido feito.
Quando fui ordenada, Mestre Tokuda pegou meu manto em suas mãos, observou-o detalhadamente e disse que estava muito bem feito. Fiquei muito feliz, mas ainda me incomodava o fato de não ter sido feito à mão, segundo as regras de costura zen. Era meu orgulho e  meu apego à forma se manifestando como perfeccionismo. Alguns dias depois da ordenação, Monja Telma perguntou ao Mestre Tokuda sobre essa questão de o manto ter sido feito à máquina, se isso era incorreto, ao que ele respondeu: "Não tem problema. No tempo de Mestre Dogen não tinha máquina, né?".
Que bom que meu manto "vale" do jeitinho que foi feito! Amo cada uma de suas imperfeições! Agora que sei que posso continuar usando-o fico até mais tranquila e mais motivada  ainda para fazer outro manto à mão, pois não posso perder essa preciosa oportunidade de prática. Fazer nosso próprio manto, seja como for, é criar nosso campo de prática. É como o zazen, uma prática além da forma e do vazio.
Gasshô.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

35 segundos e 4 milagres

Compartilho o relato emocionante de Daniela Bercovitch, minha amiga, que estava em Porto Príncipe no dia 12 de janeiro de 2010. Ela é diretora adjunta do Viva Rio no Haiti. Postei aqui apenas o começo de seu emocionante relato. Para ler a reportagem na íntegra acesse:

Daniela Berkovitch, coordenadora adjunta do Viva Rio no Haiti, está em Porto Príncipe há dois anos, onde administra os trabalhos na ONG de desenvolvimento social. Na última foto que enviou ao Rio antes do terremoto, ela estava rodeada de mudas prestes a serem plantadas na campanha Bel Air verde, uma campanha que pedia uma Bel Air com mais plantas, e também com o nível de segurança aberto para o livre trânsito. Bel Air caminhava para a paz. O terremoto chegou e atingiu, como disse a imprensa internacional, a todos, os ricos, os pobres, os locais, os visitantes. Entre eles a casa dessa brasileira corajosa que não é marinheira de primeira viagem, trabalhou como auxiliar de uma equipe de antropologia forense na Bósnia, e conhecia o Haiti há anos, tinha ido ao páis como observadora internacional de direitos humanos para a ONU e OEA entre 93 e 96. “Muitos dos meus colegas morreram no terremoto”, disse.
Daniela mora no bairro de classe media Petion Ville com suas duas filhas pequenas, o ex-marido e pai de suas filhas mora no Peru, e seu companheiro estava de viagem em Miami na hora do terremoto. Ela relata a seguir a grande sorte que teve de ter uma casa que resistiu a violência do terremoto, num relato apaixonado, pessoal, presente e direto, sobre aqueles segundos intermináveis que mudaram a história do Haiti.

35 segundos
Nesse dia recebemos os dentistas canadenses em Kay Nou, a casa do Viva Rio em Bel Air, bairro de Porto Príncipe. Estávamos super entusiasmadas Rosiane e eu com as possibilidades: 500 atendimentos a adultos e crianças e uma semana, incluindo cirurgia e reparos estéticos. Eles visitaram Kay Nou e adoraram. Ficamos de ver juntos o financiamento e eles voltariam em junho antes das férias escolares.
Eu estava com uma gripe nojenta, espirrando e tossindo sem parar e resolvi passar e buscar o hemograma que tinha feito na véspera. Na clinica vi que exame indicava infecção, provavelmente sinusite. Esperei duas horas pelo médico e nada. Resolvi deixar o meu telefone e o resultado com a secretaria e subi pra casa para descansar e assinar os mais de 600 recibos de pagamento dos salários das equipes de limpeza que trabalham para o projeto do RVC (Redução violência comunitária) da Minustah.
De subida pelo Canapé Vert em direção a Petion Ville, cruzei com minha amiga de muitos anos, Andrea Loi, chilena que descia em direção oposta, com certeza a caminho da reunião com Annabi, Da Costa e delegação Chinesa com quem tinham uma reunião no edifício Christopher, a sede da ONU que caiu horas depois matando a todos os participantes. Andrea com seus lindos cachos louros, dirigia falando ao telefone e sorrindo. Sei que ela estava muito feliz esse dia.
Em casa assinando e tomando sopa, o médico me liga dizendo que deveria voltar no dia seguinte para fazer uma radiografia dos seios da face e ser medicada. Não deu tempo de assinar mais de 50 recibos e deu a hora de buscar as meninas na escola que saiam às 16:15. Entrando no carro me pediram como sempre que fossemos comer uma pizza e um sorvete no restaurante Fior di Latte. ‘Negativo, mamãe tá muito ruim, e Maite tem que estudar’. Dito e feito chegando em casa, tomei um banho quente, botei pijama, meias (é inverno no Haiti e minha casa fica no alto da montanha), deitei e fiquei conversando com a Maite enquanto Sofia tomava banho assistida pela Kedna, nossa querida e carinhosa babá.

Primeiro milagre:
Um pouco antes das 17:00h senti tudo tremer e não entendi que não era a espoleta da Maite nem a minha cabeça que já girava por causa da congestão. Mas segundos depois Maite tinha saltado da cama e me perguntava mãe o que é isso? Eu já tinha vivido uma experiência muito leve em Lima e soube que era um forte tremor de terra. Nos levantamos, puxei a Maite para debaixo do alizar da porta e gritei pela Sofia. Kedna sai correndo do banheiro com Sofia toda molhada e nua no colo, que chorava desesperadamente gritando: mãe, quem tá fazendo isso? Manda parar! Manda parar!
Pânico. A sensação era de estar surfando em uma balsa durante um maremoto, ou de estar na mão de um gigante que balança a mão. Na verdade é indescritível a sensação. O chão balançava em todos os sentidos, forte... tínhamos que nos segurar no alizar pra não cair. E as meninas gritavam. Kedna para meu desespero estava pálida. E eu dizia, calma, vai parar, vai parar!
Dizem que foram 35 segundos e pareciam intermináveis.
[...continua...]

Para ajudar o Haiti entre em contato com o Viva Rio. Confira a lista de donativos e os postos de coleta no site:
http://www.vivario.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1850&sid=22

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Samba pra minha Irmã...

Este samba eu compus há exatamente um ano atrás, dia 20/01/2009, e dei de presente pra minha amiga, irmã e parceira de som Euza Borges, Maravilinda e cheia de encantos mil,  Grande Bodhisattva da Montanha dos Primatas (vulgo Morro do Macaco), que faz aniversário hoje, junto com a Cidade Maravilhosa de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Parabéns, Irmã! Seja cada vez mais feliz!
Obrigada por compartilhar sua infinita luz com todo o universo!

Refúgio do Samba
(Valeria Sattamini)

Vila Isabel,
Meu canto, minha voz.
És minha musa,
Onde encontro
Minha inspiração.

És minha Deusa, Princesa,
Onde eu manifesto
Minha natureza.
Te ofereço
Este humilde samba
Demonstrando minha gratidão.

Te conheci
Na minha mocidade,
Quando, encantada,
Abracei
Os versos de Noel.

Em ti encontrei refúgio
E a liberdade
Para se feliz.
Me acolheste
De braços abertos
No aconchego do teu coração.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Você tem fome de quê?


Mulher em Fort Dimanche colocando biscoitos feitos de manteiga, sal, água e sujeira para secar no chão.

"O que faz o Bodhisattva da Grande Compaixão utilizando suas ilimitadamente abundantes mãos e olhos?" (Mestre Ungan Donjo, 782-841 d.c.)

"O trabalho social precisa de mobilização das forças. Cada um colabora com aquilo que sabe fazer ou com o que tem para oferecer. Deste modo, fortalece-se o tecido que sustenta a ação e cada um sente que é uma célula de transformação do país." (Zilda Arns)

Pense no Haiti, reze pelo Haiti...


Haiti
(Caetano Veloso e Gilberto Gil)

Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do Fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do Pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui



sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A Canção do Sannyasin


(Swami Vivekananda, 1885)

Que desperte o Som! A nota que nasceu
Ao longe, onde o toque mundano não pode alcançar,
Em montanhas e lagos da floresta profunda,
Cujo silêncio desejo algum de riqueza ou fama
Poderá jamais romper–de lá vem a água pura
Da sabedoria, da verdade e da graça que as acompanha.
Cante esta nota em teu coração, bravo sannyasin! Diga,
“Om Tat Sat, Om!”

Rompe teus grilhões! Correntes que te prendem,
Sejam de ouro ou de metal escuro e vil:
Apego, ódio; bom, ruim; e opostos a perder de vista.
Escuta: escravo é escravo sob afago ou chicote
Pois algemas de ouro e brilhantes também encarceram.
Abandone teus grilhões, sannyasin bravo! Diga,
“Om Tat Sat, Om!”

Largue da escuridão, do vagalume de luz fraca
Que piscando empilha tristeza em mais tristeza.
Deixe do apego à vida; ele arrasta tua alma
De nascer a morrer e de morrer a de novo nascer.
Conquistará tudo aquele que conquistar a si.
Saiba disto e nunca falte, bravo sannyasin! Diga,
“Om Tat Sat, Om!”

“Quem semeia colhe”, é dito, e à causa
Segue o efeito: ninguém escapa desta Lei.
É correto–Mas além de nomes e formas
Está o poder do Eu Interior, liberto e puro.
Lembra que é Ele que és, bravo sannyasin! Diga,
“Om Tat Sat, Om!”

Esquece a Verdade quem sonha vagos sonhos
De pai, mãe, filho; amigo, dono e esposo.
Quem o Eu chama de pai? Quem será seu irmão?
Qual o amigo, qual o inimigo do Único?
O Ser está em tudo, nada mais existe;
E eis O que és, bravo sannyasin! Diga,
“Om Tat Sat, Om!”

Só Ele é; o Liberto, o Imóvel
Sem nome nem forma nem mancha.
Nele há maya, sonhando um lento sonho.
Ele é o Observador, a Essência, o Âmago–
Seja Aquilo que és, bravo sannyasin! Diga,
“Om Tat Sat, Om!”

Que buscas, amigo? Liberdade, nem aqui
Nem n’outro mundo encontrarás. Em templos e livros
Tua busca é vã. Só tua é a mão agarrada à corda
Que de vida em vida te arrasta. Abandona teu lamentar.
Largue do que seguras, bravo sannyasin! Diga,
“Om Tat Sat, Om!”

Diga – “Paz a todos. Não farei mal algum
A nada que existe. Os que no alto voam,
Os que baixo rastejam – sou o Ser em todos.
À vida de outros seres e à minha renuncio;
Aos céus e infernos, às terras, aspirações e medos.”
Assim corte teus laços, bravo sannyasin! Diga,
“Om Tat Sat, Om!”

Que não tenhas morada. Em que casa caberias?
O céu é teu teto, a grama teu leito; e comida
A que o destino traz: não julgue amargor ou doçura.
Não há no trajeto nada que desonre o nobre Ser
Que conhece a Si mesmo. Como o rio corrente
Siga ao rumo sem volta, bravo sannyasin! Diga,
“Om Tat Sat, Om!”

A verdade a poucos toca. Os outros terão risos
E rancor a te ofertar, ó peregrino; não os ouça.
Vá, ó liberto ser, de pouso em pouso
E ilumine-os em seu abismo de ilusão.
Sem temer a dor, sem buscar deleite,
Siga além de opostos, bravo sannyasin. Diga,
“Om Tat Sat, Om!”

Dia após dia se passa, até que o karma se finde,
A alma seja liberta e cessem nascer e morte.
Então não há eu, nem tu, nem Deus–nem homem.
O Eu tudo se tornou, tudo é teu Eu e sua paz:
Saiba Quem és, bravo sannyasin! Diga,
“Om Tat Sat, Om.”

(Sannyasin significa renunciante ou "aquele que se retira do mundo")