quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O mantra de Tara


A origem do culto de Tara é descrita pelo famoso escritor e historiador medieval Taranatha no seu livro de 1608, A origem do tantra de Tara.
Segundo Taranatha, tudo se passou numa Era (ou eon) muito antiga. Um eon tem a duração do Universo. Ou seja, o tempo entre o aparecimento e o desaparecimento de todo o Universo - isto é um eon.
Havia, pois, numa Era muito antiga, uma princesa chamada Lua de Sabedoria, que era discípula de um Buddha, que era seu Guru. Ela tinha tanta devoção por seu Guru que um dia cobriu o equivalente a 19.000 m3 de preciosos oferecimentos para ele.
Esta princesa atingiu as mais altas realizações espirituais, graças provavelmente à devoção que tinha ao seu Guru. Por isso diz-se que o Guru é a fonte de todas as realizações.
Assim alguém lhe disse que, como um dos muitos resultados de sua prática, ela ia renascer como homem. O nascer homem era considerado mais benéfico do que nascer mulher, pois assim poderia viver como iogue na floresta, ou numa gruta deserta, sem ser molestada.
Mas a princesa não quis. Ela disse que havia muitos iluminados sob a forma masculina, e que ela queria tornar-se uma iluminada sob a forma feminina.
Após uma longa meditação em retiro ela atingiu o altíssimo estado de Anutpada ou não origem. Aquele é o mais elevado nível de meditação existente, quando podia ver o real estado da mente e os fenômenos como "incriados", sem início, sem limites.
A partir de então passou a ser conhecida como Tara (Tare), ou Drolma que quer dizer salvadora, ou aquela que libera. Tara é uma palavra sânscrita.
Segundo a lenda, muito tempo depois, Ela prometeu ao Buddha Amoghasidhi defender a todos os seres na mais profunda vastidão das dez direções, passando a ter vários nomes, como imediata e heróica, até se tornar por sua atividade a corporificação de todos os Buddhas.
A partir de então se inicia o culto e prática de Tara como a ação concentrada de todos os Budas, o seja, o culto da mãe Tara.
Foi o próprio Buddha Sakyamuni que na nossa Era revelou o Tantra de Tara, como a mãe de todos os Buddhas.
Tara é uma deidade meditacional, corporificação da atividade de todos os Buddhas.
Tara é conhecida como Arya Tare, a Nobre Tara, a Grande Rápida Protetora, a Eliminadora dos Oito Medos.
Segundo Geshe Lobsang Tenpa seu mantra, Om Tare Tuttare Ture Soha, significa:
Om - São as qualidades do corpo, palavra e mente dos Buddhas. É a meta.
Tare - Significa aquela que liberta.
Tuttare - Que elimina todos os medos.

(fonte: http://www.taradhatusulamerica.org)

Aqui temos a interpretação do mantra de Tara na belíssima voz da monja Ani Chöying Drolma, que viabilizou a realização de seu sonho, a construção da Arya Tara School, uma escola para monjas no Nepal, com recursos adquiridos em apresentações musicais por todo o mundo. Ela nos conta sua história com muito realismo e bom humor no livro "Minha voz pela liberdade", da Ed. Rocco. Om Tare!

domingo, 25 de outubro de 2009

Assum Preto



(Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira)

Tudo em vorta é só beleza
Sol de Abril e a mata em frô
Mas Assum Preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor
Tarvez por ignorança
Ou mardade das pió
Furaro os óio do Assum Preto
Pra ele assim, ai, cantá mió
Assum Preto veve sorto
Mas num pode avuá
Mil vez a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá
Assum Preto, o meu cantar
É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus.


Esta é uma das minhas muitas canções favoritas. Sempre gostei dela, especialmente da pungente interpretação de Gal Costa.
A letra nos conta a triste ventura de um pássaro, o Assum Preto, que por ignorância dos homens, tem seus olhos furados, pois segundo a crença popular, quando cego, ele canta melhor.
Essa história nos remete à nossa própria condição humana. Assim como o pássaro, vivemos cegos, imersos na ignorância e no sofrimento, acreditando que dessa maneira podemos "cantar melhor". Isso é o que o Buda chamou de Dukkha, ou Natureza do Sofrimento, a primeira das Quatro Nobres Verdades de seu ensinamento supremo.

"Eis a verdade do sofrimento. Nascimento é sofrimento, envelhecimento é sofrimento, doença é sofrimento, morte é sofrimento. Tristeza, lamentação, dor, pesar e desespero são sofrimento. Não ter o que se deseja é sofrimento, separação do que se deseja é sofrimento, união com o que não se deseja é sofrimento. Saudade é sofrimento, ser escravo de um passado já morto e um futuro inexistente é sofrimento. Ser presa fácil de estímulos exteriores de toda ordem é sofrimento. Quando sopram os ventos da sensibilidade nós vamos cegamente à sensualidade, quando sopram os ventos da raiva nós vamos cegamente à violência, quando sopram os ventos da agitação e preocupação nós vamos cegamente em direção à ansiedade e angústia, quando sopram os ventos da dúvida nós vamos cegamente ao ceticismo." (Sakyamuni Buddha)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Buddha Shakyamuni

Keizan Jôkin

O Buddha Shakyamuni realizou a iluminação ao ver a estrela d'alva. Ele disse, "eu e todos os seres sencientes sobre a terra, juntos, atingimos a iluminação ao mesmo tempo."

Shakyamuni deixou seu palácio uma noite, quando tinha dezenove anos de idade, e raspou seu cabelo. Subseqüentemente, sentou-se sobre um trono indestrutível [sânsc. vajrasana], tão imóvel que havia teias em suas sobrancelhas, um ninho de pássaro sobre sua cabeça e juncos crescendo pela sua esteira. Assim, ele se sentou durante seis anos.

Em seu décimo terceiro ano, no oitavo dia do décimo segundo mês, foi subitamente iluminado quando a estrela d'alva apareceu. Então disse as palavras anteriores, seu primeiro rugido de leão.

Depois disso, passou quarenta e nove anos ajudando os outros ao ensinar, nunca permanecendo em reclusão. Ensinou mais de trezentas e sessenta assembléias e então finalmente transmitiu o tesouro do olho do Dharma a Kashyapa, e sua transmissão continuou até o presente. De fato, esta é a raiz da transmissão e prática do ensinamento verdadeiro na Índia, China e Japão.

O comportamento do Buddha Shakyamuni durante sua vida é um modelo para os discípulos que deixou. Mesmo apesar de poder ter tido as trinta e duas marcas especiais da grandeza e os oitenta tipos de refinamentos, ele manteve a forma de um velho mendigo, não diferente de qualquer um.

Portanto, desde que esteve no mundo durante os três períodos de seu ensinamento — genuíno, imitação e infiel —, aqueles que buscaram o caminho de seu ensinamento imitaram a forma e as maneiras do Buddha, usaram a doação do Buddha e, em todos os seus feitos, sempre consideraram em primeiro lugar o dever do auto-entendimento. Tendo sido transmitido de Buddha a Buddha, de adepto a adepto, o ensinamento verdadeiro nunca foi cortado. Esta história claramente aponta para isto.

Apesar de o que o Buddha apontou e explicou nos mais de trezentos e sessenta encontros durante quarenta e nove anos não ter sido o mesmo, as várias histórias, parábolas, metáforas e explicações não vão além do princípio ilustrado na história de sua iluminação.

Isto quer dizer, o "eu" não é o Buddha Shakyamuni — até mesmo o Buddha Shakyamuni vem deste "eu". E isto não apenas dá nascimento ao Buddha Shakyamuni — "todos os seres sobre a terra" também vêm daqui. Assim como, quando você levanta uma rede, todos os furos são levantados, do mesmo modo, quando o Buddha Shakyamuni foi iluminado, todos os seres sencientes sobre a terra também foram iluminados. E não apenas todos os seres sobre a terra foram iluminados — todos os buddhas do passado, do presente e do futuro também atingiram a iluminação.

Apesar de isto ser assim, não pense no Buddha Shakyamuni como tendo se tornado iluminado — não veja o Buddha Shakyamuni fora de todos os seres sobre a terra.

Por mais imensamente diversas montanhas, rios, terra e todas as formas e aparências que possam haver, todas elas estão no olho de Buddha. E você também está no olho de Buddha. E não é simplesmente que você está lá — o olho tornou-se você. O olho de Buddha tornou-se o corpo completo de todos, cada um estando lá.

Portanto, este claro olho brilhante que atravessa todo o tempo não deve ser pensado [do modo] como as pessoas evidentemente [pensam] aqui — você é o olho de Buddha, Buddha é todo o seu corpo.

Sendo assim, o que você chama de princípio da iluminação? Pergunto a você, o Buddha é iluminado com você? Você é iluminado com o Buddha? Se você diz que se tornou iluminado com o Buddha, ou se você diz que o Buddha torna-se iluminado com você, isto não é a iluminação do Buddha, de nenhum modo. Portanto, não deve ser chamado de princípio da iluminação.

Mesmo assim, "eu" e "juntos" não são um nem dois. Sua pele, carne, ossos e medula estão todos "juntos" e a hoste dentro da causa é o "eu". Não tem pele, carne, ossos ou medula, não tem elementos físicos grosseiros ou mentais. Definitivamente falando, "Se você quiser conhecer a pessoa imortal na cabana, como isso poderia ser possível separada deste saco de pele?" Então, você não deve entender os seres sobre a terra como distintos de si mesmo.

Enquanto as estações vêm e vão, e as montanhas, rios e terra mudam com os tempos, você deve saber que este é o Buddha levantando suas sobrancelhas e piscando seus olhos — então é o "corpo único revelado em formas miríades". O antigo mestre Fa-yan disse, "Sobre qual apagamento ou não-apagamento você pode falar?" E Ti-tsang, "O que você chama de formas miríades?"

Então, estudando de todos os ângulos, penetrante de todos os modos, você deve esclarecer a iluminação do Buddha e entender sua própria iluminação. Quero que todos vocês vejam esta história de perto e que sejam capazes de explicá-la, deixando a explicação fluir a partir do seu próprio coração, sem tomar emprestado as palavras de um outro.

Também quero adicionar um humilde ditado a esta história:

Um galho cresce sobre a velha macieira;
Espinhos vêm ao mesmo tempo.

(Adaptado de Keizan, Transmission of light: Zen in the art of enlightenment. Tradução e introdução de Thomas Cleary. San Francisco: North Point Press, 1990. Pág. 3-5.)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Poema do Zazen


Fazendo zazen calmamente no dojo
Colocando de lado todos os pensamentos negativos
Obtendo nada além de uma mente sem desejos
Esta alegria está além do paraíso

O mundo corre atrás de fama e honra
Roupas bonitas e conforto
Mas estes prazeres não são a verdadeira paz
Você corre e permanece insatisfeito até a morte

Vista o kesa e o quimono preto e pratique o zazen
Concentre-se com determinação,
Quer esteja quieto ou em movimento
Veja com seus olhos a profunda sabedoria interior
Observe e conheça intimamente
O verdadeiro aspecto de toda ação e de toda a existência
Seja capaz de observar o equilíbrio
Compreenda e conheça com uma mente que está totalmente calma

Se você é assim
Sua dimensão espiritual,
A mais elevada no mundo,
Estará além de qualquer comparação."

(Kodo Sawaki Roshi)