segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Natureza de Buda


Se você pensa que é um Buda,
você está enganado.
Se você pensa que não é um Buda,
você também está enganado.
(Sei In)


Lembro-me claramente de um teishô proferido por Mestre Tokuda no qual ele dizia que quando nos sentamos em zazen somos Buda. Fácil assim? - pensei eu na minha ignorância. Mas, para minha sorte e por sua imensa compaixão, Mestre Tokuda explicou, com aquele estilo direto e bem humorado típico dos mestres zen. Ele disse mais ou menos assim: "Se você imitar um ladrão, você vai fazer o que o ladrão faz, que é roubar. Então naquele momento você é um ladrão, mesmo que diga que não é. Do mesmo modo, quando você senta em zazen está imitando o Buda, fazendo o mesmo que o Buda faz. Então nesse momento você é o Buda!".
Essa fala de Mestre Tokuda me marcou muito, tornou-se uma espécie de koan para mim e toda vez que sento para meditar, ela me volta à mente. Sinto um misto de espanto e esperança nesta afirmação. Nossa cultura nos ensina que somos seres inferiores, pecadores desde o nascimento. É muito difícil para nós acreditar que temos a mesma natureza de todos os Budas e Bodisatvas! Mas os mestres têm esse dom de transmitir os ensinamentos de forma clara para que nossas mentes obscurecidas possam captar alguma coisa, mesmo que num nível muito sutil. Acho que foi isso que se deu comigo. Mesmo desconfiando um pouco daquela frase tão contundente, ela acabou sendo um grande motivador de minha prática.
Há algum tempo começamos a estudar no CEBB* "O Ornamento da Preciosa Liberação" de Gampopa, um grande mestre tibetano da linhagem Karma Kagyu, discípulo de Milarepa. No primeiro capítulo deste ensinamento, Gampopa nos fala sobre a natureza búdica de todos os seres sencientes como sendo o potencial para a iluminação. Ele utiliza como comparação três exemplos, "a prata que se encontra na pepita, o óleo na semente de mostarda, e a manteiga que se encontra no leite. Da pepita de prata podemos extrair prata; da semente de mostarda podemos produzir óleo; e do leite, podemos produzir manteiga. Do mesmo modo, seres sencientes podem se tornar budas".
Quando ouvimos estes ensinamentos, tanto na fala de Mestre Tokuda que é um mestre vivo contemporâneo, quanto na de Gampopa que viveu entre os séculos XI e XII, podemos perceber o caráter atemporal e extremamente pragmático do budismo.
Lama Padma Samtem, outro grande mestre vivo do budismo tibetano, que além de ser nosso contemporâneo é também nosso conterrâneo, demonstra esse caráter pragmático e simples do budismo quando nos fala sobre a perda do reconhecimento de nossa Natureza de Buda e como voltar a enxergá-la: "A doença é o não reconhecimento de nossa natureza. O sintoma é o sofrimento cíclico que toca a todos. O budismo pode ser apresentado como um remédio para tratar a perda do reconhecimento de nossa natureza ilimitada. O reconhecimento da natureza ilimitada produz a superação de todas as prisões e carmas, nada mais é necessário". Simples assim? Pois é, os mestres têm essa compaixão de tornar simples e até óbvio aquilo que temos tanta dificuldade de enxergar, mas que está bem diante do nosso nariz.
Mestre Eihei Dogen, fundador da linhagem Soto Zen no Japão, já no início de sua jornada rumo à liberação se perguntava: " Se todos os seres já nascem com a Natureza de Buda, por que então é preciso praticar?". Este era o seu koan e ele o realizou plenamente atingindo a completa iluminação e deixando instruções de prática que são seguidas até hoje.
Como podemos ver, todos os mestres das diferentes linhagens budistas mesmo nos deixando ensinamentos preciosos que brotam de sua profunda compaixão, nos incitam à prática diligente. É como praticar exercícios físicos. Podemos ler sobre o assunto, escutar palestras e até entender num nível intelectual que eles fazem bem à saúde e podem nos deixar com uma aparência mais harmônica, mas só vamos sentir os resultados se efetivamente praticarmos, realizando o potencial de saúde de nosso corpo.
Os ensinamentos devem ser praticados! Não para nos transformarmos em algo que não somos ou alcançar algum estado extraordinário com poderes sobrenaturais, mas apenas para tornarmos a manifestar plenamente aquilo que sempre fomos desde tempos sem princípio. Assim como o carvão precisa de condições específicas de temperatura e pressão para se manifestar como diamante, precisamos da prática dos ensinamentos para nos manifestarmos como budas. Quando sentamos em meditação e quando praticamos virtudes podemos ir pouco a pouco dissipando as nuvens que encobrem o sol brilhante de nossa verdadeira natureza.
Aquele abraço e boa prática!

*Centro de Estudos Budistas Bodisatva - Orientador: Lama Padma Samten.